quarta-feira, 19 de novembro de 2008

20 de novembro


Guerra é o que nosso povo mais conhece. As guerras de Palmares, a guerra de Canudos, as guerras das favelas, as guerras do dia-a-dia. As armas não eram suficientes para combater o inimigo e as baixas sempre foram enormes. Mas hoje é diferente; não é satisfatório, mas é diferente. Estamos combatendo com armas mais poderosas que antes, e de diversos calibres: Respeito, Auto-estima, Consciência, Inteligência. E essa guerra não vai terminar tão cedo, talvez nem termine (Thaíde – músico rapper, 2000)

Na história da raça negra no Brasil, as comemorações do dia 20 de novembro, “Dia da Consciência Negra”, surgiu por um descontentamento dos movimentos sociais com as comemorações do 13 de maio – dia da abolição da escravatura, como pode ser visto no poema de Semog:

A treze de maio fica decretado Luto oficial na comunidade negra.
E serão vistos com maus olhos aqueles que comemorarem, festivamente, esse treze inútil.
E fica o lembrete: Liberdade se toma, não se recebe
Dignidade se adquire, não se concede.(1979)

No Brasil, como em diversos lugares do mundo, o racismo sempre foi negado. E para dar visibilidade a este tema, mostrar como o país desconhece, desvaloriza e discrimina os negros é que os movimentos sociais escolheram esta data.
20 de novembro é a data do assassinato de Zumbi, o mais importante líder da maior e mais importante comunidade de escravos fugidos das Américas – os quilombos de Palmares. Essa comunidade tinha uma população estimada de mais 30 mil negros.
Oliveira Silveira, poeta gaúcho, em seus poemas, também mostrava o sentimento que tinha sobre o 13 de maio: "Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão". E foi ele, há 32 anos atrás quem sugeriu a seus companheiros de movimento a mudança das comemorações para o dia 20 de novembro, que considerava mais significativo que o 13 de maio.
O 20 de novembro foi celebrado pela primeira vez no ano de 1971. A idéia se espalhou por outros movimentos sociais de luta contra a discriminação racial e, no final dos anos 1970, já aparecia como proposta nacional do Movimento Negro Unificado.

Em Homenagem ao 20 de Novembro


MENINA BONITA DO LAÇO DE FITA
(Ana Maria Machado)


Era uma vez uma menina linda, linda.
Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os cabelos enroladinhos e bem negros.
Apele era escura e lustrosa, que nem o pelo da pantera negra na chuva.
Ainda por cima, a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo dela e enfeitar com laços de fita coloridas. Ela ficava parecendo uma princesa das terras da áfrica, ou uma fada do Reino do Luar.
E, havia um coelho bem branquinho, com olhos vermelhos e focinho nervoso sempre tremelicando. O coelho achava a menina a pessoa mais linda que ele tinha visto na vida.
E pensava:
- Ah, quando eu casar quero ter uma filha pretinha e linda que nem ela...
Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou:
- Menina bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
­- Ah deve ser porque eu caí na tinta preta quando era pequenina...
O coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela. Ficou bem negro, todo contente. Mas aí veio uma chuva e lavou todo aquele pretume, ele ficou branco outra vez.
Então ele voltou lá na casa da menina e perguntou outra vez:
- Menina bonita do laço de fita, qual é o seu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
- Ah, deve ser porque eu tomei muito café quando era pequenina.
O coelho saiu dali e tomou tanto café que perdeu o sono e passou a noite toda fazendo xixi. Mas não ficou nada preto.
- Menina bonita do laço de fita, qual o teu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
­- Ah, deve ser porque eu comi muita jabuticaba quando era pequenina.
O coelho saiu dali e se empanturrou de jabuticaba até ficar pesadão, sem conseguir sair do lugar. O máximo que conseguiu foi fazer muito cocozinho preto e redondo feito jabuticaba. Mas não ficou nada preto.
Então ele voltou lá na casa da menina e perguntou outra vez:
- Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo pra ser tão pretinha?
A menina não sabia e... Já ia inventando outra coisa, uma história de feijoada, quando a mãe dela que era uma mulata linda e risonha, resolveu se meter e disse:
- Artes de uma avó preta que ela tinha...
Aí o coelho, que era bobinho, mas nem tanto, viu que a mãe da menina devia estar mesmo dizendo a verdade, porque a gente se parece sempre é com os pais, os tios, os avós e até com os parentes tortos.
E se ele queria ter uma filha pretinha e linda que nem a menina, tinha era que procurar uma coelha preta para casar.
Não precisou procurar muito. Logo encontrou uma coelhinha escura como a noite, que achava aquele coelho branco uma graça.
Foram namorando, casando e tiveram uma ninhada de filhotes, que coelho quando desanda a ter filhote não para mais! Tinha coelhos de todas as cores: branco, branco malhado de preto, preto malhado de branco e até uma coelha bem pretinha. Já se sabe, afilhada da tal menina bonita que morava na casa ao lado.
E quando a coelhinha saía de laço colorido no pescoço sempre encontrava alguém que perguntava:
- Coelha bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
E ela respondia:
- Conselhos da mãe da minha madrinha...